Viajar! Perder países!
Ser outro constantemente,
Por a alma não ter raízes
... De viver de ver somente!

Não pertencer nem a mim!
Ir em frente, ir a seguir
A ausência de ter um fim,
E a ânsia de o conseguir!

Viajar assim é viagem.
Mas faço-o sem ter de meu
Mais que o sonho da passagem.
O resto é só terra e céu.

« 20 - 9 - 1933 | In Poesia 1931-1935 e não datada , Assírio & Alvim, ed. Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas, Madalena Dine, 2006 | via Casa Fernando Pessoa

A mão

Vinte e sete ossos,
Trinta e cinco músculos,
Cerca de duas mil células nervosas
Em cada uma das pontas dos cinco dedos.
É quanto basta
Para escrever Mein Kampf
Ou A Casinha do Ursinho Puff.

Wistawa Szymborska

Ah! Querem uma Luz


Ah! querem uma luz melhor que a do Sol!
Querem prados mais verdes do que estes!
Querem flores mais belas do que estas que vejo!
A mim este Sol, estes prados, estas flores contentam-me.


Mas, se acaso me descontentam,
O que quero é um sol mais sol que o Sol,
O que quero é prados mais prados que estes prados,
O que quero é flores mais estas flores que estas flores —
Tudo mais ideal do que é do mesmo modo e da mesma maneira!

Poemas Inconjuntos - Fernando Pessoa

A Noite Desce


A noite desce, o calor soçobra um pouco,
Estou lúcido como se nunca tivesse pensado
E tivesse raiz, ligação direta com a terra
Não esta espécie de ligação de sentido secundário observado à noite.
À noite quando me separo das cousas,
E m'aproximo das estrelas ou constelações distantes —
Erro: porque o distante não é o próximo,
E aproximá-lo é enganar-me.

Poemas Inconjuntos - Fernando Pessoa

Eugénio de Andrade, Poesia e Prosa

Tinha um cravo no meu balcão

Tinha um cravo no meu balcão;

Veio um rapaz e pediu-mo

- Mãe, dou-lho ou não?

Sentada, bordava um lenço de mão;

Veio um rapaz e pediu-mo

- Mãe, dou-lho ou não?

Dei um cravo e dei um lenço,

Só não dei o coração;

Mas se o rapaz mo pedir

- Mãe, dou-lho ou não?